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O que eu quero é flanar!

Eu flano, tu flanas e ele também flana. Sim, soa engraçado, mas todos nós flanamos. Em algum momento, consciente ou inconscientemente, acabamos flanando livremente por aí.

– Verbinho esquisito este, não? Lembro-me que este foi meu pensamento quando o ouvi pela primeira vez. Estava na Graduação quando uma Professora comentava sobre ele quando ministrava aulas de Turismo e Literatura. Quem nos mostrou o flâneur na situação do turista foi Urry (1996), dando-me margem para inventar o futuro passeio. Bastante tempo depois ele veio parar, sem querer, em meu email, e voltou aos meus pensamentos. Uma aluna do Curso de Turismo da UNIRIO entrou em contato comigo porque havia lido em meu post referente ao nosso estado de anestesia urbana (O Turista Anestesiado e o Turista Protagonista) para me enviar um questionário sobre seu trabalho de pesquisa, o qual tem a intenção de investigar a importância da Psicologia como Disciplina nas Faculdades de Turismo (aliás, ponto pra ela, pois esse tema é muito interessante!).

Assim sendo, somando esse ato por mim esquecido (o de flanar) à contínua inquietação de interagir com meu entorno (sair do estado de alienação e correria), despontei-me a flanar. Batagliesi disse que “flanar por SP tem se tornado uma tarefa bastante árdua. Por vários motivos”. É verdade. Lendo seus argumentos, arquitetônicos, é possível entender por que.

Contudo, escolhi um espaço delimitado para minha ação – o Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Lá, quem sabe, eu conseguiria encontrar a sinergia entre as ações de protagonizar o meu Turismo e flanar sobre o que eu bem quisesse. Esclarecendo, o ato de flanar é a mais parisiense das ações. Juntando suas várias interpretações, flanar implica em passear ociosamente, vaguear, caminhar sem rumo, sem pressa, apenas pelo prazer de estar ali, de apreciar o que está à nossa volta, observando e deixando-se levar. Há quem defenda o verbo como algo parecido ao vagabundear, vadiar e gandaiar, tal qual um ser errante – associações às quais não concordo. Enfim, o fato é que flanar deve ser algo natural, instintivo e inevitável quando os cenários nos permitem. É um andar para observar as pessoas, seus comportamentos, atitudes e manias. Digamos que seja um dolce far niente no sentido de estar em um estado de ócio feliz e despreocupado, mas com pretensões de produzir algo mentalmente. É um perambular inteligente. O engraçado é que quase tudo que encontramos sobre flanar está relacionado à cidade de Paris. Os motivos são óbvios: o verbo tem origem francesa, os mais reconhecidos flâneurs registraram suas impressões na capital e cada cantinho da cidade é um espaço especial, lindo, inspirador e encantador. Certamente flanar por Paris é uma experiência inolvidável; no entanto, acredito que podemos flanar em quase todos os lugares, desde que tenhamos segurança e o movimento humano necessários. Para mim, dar de cara com o ultramoderno Auditório Ibirapuera foi tão excitante como ter visto o clássico Moulin Rouge. O comportamento dos cosmopolitas interagindo com eles nos dá emoções distintas, mas igualmente fascinantes. Usualmente o ato de flanar é vinculado aos ambientes urbanos, sejam ruas, praças, bairros, becos, passagens, bares, esquinas e afins – já que estes revelam a ‘alma’ e a ‘estrutura’ das cidades. Percebemos, então, que esse comportamento pode ser muito mais significativo para as viagens, e desobriga o turista a visitar os pontos turísticos clássicos, como comenta Ricardo Freire: “No caminho é impossível não topar com cartões-postais – que ficam ainda mais inesquecíveis quando aparecem assim, do nada, sem avisar”.
Mesmo sabendo que o Ibirapuera é um clássico na visitação, eu optei pelo Parque por saber que é lá onde os aqui residentes encontram o tão esperado espaço verde, o contato com a natureza, o possível ar puro e os recintos não-concretados. Como eu ainda estou na fase de (re)conhecer Sampa e de compreender o espírito da cidade, acho que acertei na mosca. Como eu imaginava, os runners, os patinadores, os skaters, os contempladores, os vagabundos, os artistas, alguns perdidos e os flâneurs estavam todos lá, tribo a tribo, interatuando com o cenário e revelando a essência da cidade.

O que eu concluí com tanta flânerie? Acho que não vem ao caso. O que importa é que a arte de pensar e refletir vendo 'outros diferentes' enobrece ainda mais a atividade turística. Sou defensor do Slow Travel (ou Slow Tourism) praticado pelo slow tourist, quem visita os destinos sem afobação e aquela mania de bater cartão em todos os monumentos, fotografando loucamente e já pensando no próximo roteiro. Sei que nem sempre temos dinheiro e tempo para nos darmos ao luxo de ficar em um único destino vários dias, mas se o caso é percorrer dez países em quinze dias, separemos pelo menos um dia em cada destinação para flanar.

Vale à pena – e a viagem será, seguramente, memorável. O turista moderno deseja isso de suas viagens. Pode ser que o necessário seja andarilhar por aí sem itinerário prévio, com olhos, ouvidos e tato bem dispostos a descobrir tudo naturalmente. Nas palavras de Carlinhos Oliveira (um flâneur assumido), “aproprio-me das paisagens, do ar, das pessoas, dos assuntos locais, com uma espécie de fervorosa preguiça; não tenho pressa, não observo nada de relance; mergulho na realidade, perco-me nela, depois de certo tempo somos uma só coisa”. Quem não quer sentir essa emoção? Quer não quer experienciar e viver esse Turismo? É fato conhecido que o turista do hoje quer ser ator funcional de seu próprio Turismo e permanecer como protagonista da viagem. Entretanto, é absolutamente possível praticar o Turismo ativo ao refletir sobre a própria vida, por exemplo. A necessidade da ação, digo eu, não é fundamentalmente física. Podemos ser ativos da própria existência, contemplando a circulação das pessoas, admirando o movimento.

Não estamos lidando com o Turismo Contemplativo diretamente: o ato de observar o cenário externo e elevar os pensamentos é o intuito desse segmento, mas o fazemos num contexto passivo e um pouco inerte; todavia, a viagem (o passeio, o turismo) no qual flanamos implica em um olhar para dentro, uma meditação sobre nossa posição no mundo levando em conta a energia das cidades. Indo mais além, as viagens de luxo talvez possam rever seus propósitos levando o flâneur em consideração. O luxo da modernidade é o bem-estar, correto? Mas o que é o bem-estar? Pode ser a autorreflexão, o autoconhecimento, o se entender como ser humano, o bem-estar físico que nos leva ao conforto mental e espiritual. Então, porque não assumir que nos momentos de lazer podemos, sim, sair e flanar, considerando tal costume como luxo?

Considero que pensar sobre nosso papel enquanto sujeitos sociais em cenários inspiradores é algo luxuoso, pois permite ao homem se libertar numa tentativa de se encontrar - possibilidade que também é comum ao próprio Turismo. Então, o Parque do Ibirapuera é um elemento luxuoso. O novo flâneur pratica o pensamento urbano contemporâneo, que busca novas percepções das cidades. Nossos turistas são, nos idos das últimas décadas, os “homens das multidões”, como diria Baudelaire referindo-se aos que flanam. Chega de fragmentação, de isolamento, de dispersão e carência: o turista-passante-flâneur pode integrar-se aos grupos, reinventar a geografia das cidades e dar mais significância ao lugar.

A cidade de São Paulo nos permite percebê-la em suas centenas de opções turísticas e não-turísticas, e um roteiro pensado no sujeito que quer flanar deliberadamente poderia ser uma boa opção. Nessa Era das Relações (com os outros e consigo mesmo), Sampa, adiantada como só ela sabe ser, poderia nos brindar com esses passeios. E o mais legal? Meu passeio pelo Ibirapuera para flanar me ajudou a entender melhor a cabeça dos paulistanos e me deixou ainda mais apaixonado pela vibração da cidade.
Os habitantes dessa urbe louca têm comportamentos e condutas próprios, que merecem observação porque nos ajudam a desenvolver as inteligências pessoais, promovendo o autoconhecimento e o reconhecimento do outro. Para finalizar, mesmo não sendo a favor de citações longas, não aguentei; tive que repetir as palavras de Jorge Waquim sobre a flânerie: Flanar para alguns parecerá pura perda de tempo. Ziguezaguear pela cidade sem objetivos definidos será para estes, sobretudo anti-produtivo. E aí está a palavra que define esta nossa época: produção. Tudo o que se faz hoje tem de ter o objetivo claro de produzir algo de útil, algo que vá servir pra alguma coisa - ganhar dinheiro, por exemplo. Essa maneira de ver o mundo tem contaminado tudo, tudo no mundo moderno, desde a mídia (ou “os média”, como dizem melhor os portugueses) à maneira de produzir alimentos, dos livros que se publicam até a maneira de educar as crianças.

Desse modo, flanar parece aos olhos de um expectador moderno como anacrônico, inútil, como coisa de vagabundo, que não tem o que fazer. O turista – olha ele aí de novo – visita a cidade de uma maneira produtiva, ele corre de monumento a monumento até perfazê-los todos, nada de ficar errando por aí na cidade improdutivamente. Por tudo isso, flanar pode soar até subversivo, destruidor da ordem pública, corruptor dos nossos valores morais, antiético, e, quem sabe, até, revolucionário, tomado no seu pior sentido. Assim, com todo esse estímulo, afirmo-me mais e melhor como um legítimo e convencido “flâneur”. O que ele deseja? Acho que o mesmo que eu. O que queremos é flanar!

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