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Vou de táxi.

Comecei este ensaio inspirado por uma vista incrível: as calçadas de Copacabana, Rio de Janeiro. Passei o Réveillon por aqui, e, como esperado, as festas foram maravilhosas tão quão é essa cidade. Já não é a primeira vez que passo a virada do ano nestas terras, mas todos os anos fico surpreso com a energia positiva e o clima de prosperidade que emana do povo que se junta por aqui nessa data. Realmente todos têm de passar por essa experiência uma vez na vida!

Olhando para o movimento dos desenhos das calçadas que muito servem de exemplo para difundir o Brasil pelo mundo, meus olhares acabaram se esticando até as ruas ali de perto – que me fizeram enxergar a quantidade de táxis que circulam por essas alamedas, avenidas, becos e ruelas carregando turistas e residentes. Para a indústria turística, o transporte oferecido pelos táxis é simplesmente fundamental. As razões são muitas: é uma prestação de serviços que lida direta e constantemente com o público e que, normalmente, é um dos primeiros contatos que o turista tem com seu destino. A comunicação entre transportador e transportado tem de ser regada de muito bom humor e educação para que a viagem seja uma experiência satisfatória em sua totalidade.

Esse ator crucial do trade turístico precisa ser altamente qualificado, pois dificilmente não nos sentaremos em seus bancos durante as viagens. Os táxis são tão importantes que podem até retratar o estereótipo de uma destinação turística – quem não reconhece os Yellow Cabs de Nova York, os Black Cabs de Londres ou ainda as luxuosas Mercedes que transportam passageiros na Alemanha? Em Sampa, quase todo carro branco é táxi; no Rio, os amarelinhos são os oficiais. Cores à parte, os táxis são responsáveis, em conjunto aos outros meios de transporte, por passeios, traslados, viagens rápidas, city tours e muitas outras idas e vindas com distintos motivos.

O condutor é um sujeito símbolo-chave na relação com seu cliente – e há quem diga que, além de motorista, o taxista precisa ser psicólogo, conselheiro, guia turístico, confidente, um ombro fraterno e bom entendedor de gentes e de culturas. Todos já precisaram alguma vez de indicações e recomendações de caminhos, horários e locais desses amigos recém-conhecidos.

Sobre o meu caso carioca, a ajuda que precisei foi longe do ideal das férias: um companheiro de viagem esqueceu sua carteira dentro de um táxi, em pleno início de ano, saindo do Aeroporto Santos Dummont. Resultado: ficamos plantados mais de duas horas na cooperativa de táxis que leva e traz os que chegam ao Rio de Janeiro via esse Aeroporto, esperando reconhecer o taxista que nos havia transportado. Foi ali, nessa espera angustiante, que conheci Maneco, coordenador dos táxis que trabalha naquele exato local há quarenta anos. Ah Maneco, seria impossível escrever todas as histórias que ouvi de você naquelas horas – elas, seguramente, dariam um livro. Cheio de amabilidades, cortesias e honestidades, aproveitei o Maneco para sacar muitas informações.

Ilustradas por celebridades, por frases ‘siga aquele carro’, por perseguições policiais, por fantasias amorosas e por esquecimentos de mochilas, iPhones, laptops e até perucas e sapatos, as histórias tomaram um rumo que nos direcionou ao tema da Copa do Mundo e das Olimpíadas. A partir daí, a cada táxi que peguei, a pergunta era a mesma: o que o senhor acha dos serviços de táxi do Rio de Janeiro para os megaeventos?

Infelizmente a constatação foi unânime: “será um caos”. Isso segundo os próprios taxistas. Particularmente, não tenho opinião formada sobre esse serviço, já que todas as vezes que precisei (e estávamos em altíssima temporada) os táxis estavam à disposição, além de ter utilizado muito o (ótimo e deliciosamente gelado) serviço de metrô. Dentre as respostas mais interessantes escutei coisas do tipo: “será uma coisa que só dará certo na hora”, “para a educação não temos dinheiro, mas para o futebol sim”, “é preciso, primeiro, legalizar todos os meios de transportes, formais e informais, para depois criar mais coisas”, “os trinta e poucos mil táxis daqui não serão suficientes” e “de que adianta aumentar o número de carros se as ruas estarão completamente lotadas?”. Fiquei assombrado com algumas réplicas e concordei, em partes, com outras.

“Mesmo que aumentássemos os táxis, o que fazer com toda a frota depois desses eventos”? É, a coisa complicou. É a sazonalidade turística que continua sendo um prejuízo. Uns acham que o problema é a malha urbana, outros, a quantidade baixa de táxis. Um de meus ‘entrevistados’, por exemplo, disse que não fez questão alguma de trabalhar na noite do dia 31, já que conseguiria fazer uma única viagem (o engarrafamento não lhe permitiria voltar ao destino de origem para pegar mais passageiros) e que o ganho não valeria o estresse muito menos o prazer de estar em companhia da família. Entendo perfeitamente a decisão dele, mas imagine se todos pensarem assim no dia dos Jogos? Simplesmente não haverá táxis nas ruas. Há algum brasileiro que não queira assistir as partidas? Quem opta por trabalhar com o Turismo tem de entender que trabalhamos enquanto os outros curtem as férias - e os taxistas são a linha de frente, essenciais para que a máquina funcione!
 

Voltando ao Maneco, alguns detalhes dos bastidores me foram revelados: assim que tomamos o elevador aos nossos quartos, o taxista entra no hotel e se apresenta como o agente que indicou aquele local, e os hoteleiros pagam a ele uma determinada quantia por haver recomendado seus estabelecimentos. “Todo mundo ganha, ninguém paga nada a mais”, disse Maneco. Eu perguntei: e como é esse pagamento? “Uns pagam conforme os gastos totais dos hóspedes, outros, ‘por cabeça’”. E na Copa/Olimpíadas? – questionei novamente. “Aí a guerra de comissão vai ser de enlouquecer, meu amigo”.

Vejo, fácil, uma dificuldade. Temos o problema da frota, temos a questão do trânsito e temos o assunto extraoficial do comissionamento e a superlotação dos hotéis que pagam as melhores quantias – além dos profissionais que não compreendem integralmente a seriedade de seus serviços. Precisamos, o mais cedo possível, organizar e planejar essa coisa toda! O táxi-turismo precisa ser efetivamente bom para que a vinda ao Brasil ou a ida ao Rio de Janeiro seja ótima.

É um tema que envolve a conscientização e a capacitação. O principal ponto a ser discutido é que os próprios taxistas entendam que o Turismo, hoje, é uma experiência de vida, uma esperança para uma vida futura mais completa e que a atividade envolve vários significados e significâncias, e seu trabalho – o de deslocar os turistas pra lá e pra cá – faz parte dessa aventura no país.
Eu mesmo, em uma das corridas que fiz, no exato momento em que passávamos pelo Copacabana Palace numa noite quentíssima, com muita gente na rua, na praia e nos bares, naquela perfeita carioquice, ouvi na rádio sintonizada pelo taxista músicas típicas brasileiras (leia-se MPB e Bossa Nova) e senti que aquele momento ficaria, de fato, em minha memória. Sim, poderia ser um ato proposital para me envolver numa atmosfera verdadeiramente brasileira. E eu adorei. Esse taxista sabia o que estava fazendo, era quase um ‘personal-taxista’, desejando agradar e cravar na recordação de seu passageiro lembranças de uma viagem recheada de boas sensações que esses ritmos nos trazem, aliados ao clima carioca. Essa é uma emoção gratuita extra que pode fazer toda a diferença, e meu condutor entendeu perfeitamente essa didática, enquanto assobiava e batucava imaginariamente em seu volante.

 

É mais ou menos isso que imagino como primoroso para os turistas nacionais e internacionais que circularão pelo Brasil: no ‘simples’ ir de táxi, sentir-se brasileiro por um momento, respirar os ares tropicais e entender “o que faz o brasil, Brasil”*.

Sobre a temática da frota de táxis, do engarrafamento e da superlotação, francamente, não tenho nem ideia de como resolver. Mas tenho certeza de que se a experiência da viagem ao Brasil e ao Rio de Janeiro for mágica, como todos desejamos que seja, esses percalços serão diminuídos e passarão quase que despercebidos. Centenas de destinos turísticos enfrentam esses problemas, mas muitos deles promovem sensações tão boas que maquiam o tédio do trânsito confuso, fazendo com que os turistas continuem sentindo-se satisfeitos.

Seria, digamos, um ‘deixar pra lá’ porque a viagem valeu a pena. Organizar essa bagunça, talvez seja possível; resolvê-la plenamente, não acredito muito.

De qualquer forma, com vistas na Copa de 2014 e ciente do grande valor que a prestação de serviços dos táxis tem, o Ministério do Turismo, em parceria com outras entidades, desenvolveu Programas de Capacitação (Programa Olá Turista e Bem Receber Copa), que visam qualificar aqueles que terão contato direto com nossos turistas. Um dos objetivos principais é ensinar os idiomas inglês e espanhol para aumentar a qualidade do atendimento. Ademais, existe uma dezena de cursos locais destinados a esse público que atuará na atenção ao visitante. Ponto pra nós! Como sugestão, para deixar os cursos ainda mais completos poderiam ser inseridas breves lições, de forma simples e clara, sobre a relevância do Turismo na escala de valores humanos a fim de que todos passem a enxergar no Turismo uma possibilidade de engrandecimento pessoal e de troca cultural. Precisamos de confiança.

E de presente de Ano Novo, veio a surpresa: um dia antes da volta uma amável senhora nos telefonou. “Encontrei sua carteira em um táxi”, disse ela. Fomos ao encontro dela e nos deparamos com uma enfermeira de gentil sorriso, visivelmente feliz e realizada por haver terminado sua jornada de busca ao turista dono do artefato perdido. Depois de contar-nos a odisséia que empreendeu para nos localizar, arrematou a conversa dizendo: como o táxi não era de uma cooperativa (na realidade era, mas ela não havia visto o número de identificação e preferiu carregar a carteira consigo) deu a dica de somente comentar sobre os achados e perdidos quando o veículo pertencer a tais instituições. E completou, entre risadas: “Estão vendo? Isso é para desfazer o mito de que todo carioca é malandro. Gostamos sim dos turistas!”.

No final, mesmo com alguns entraves, a viagem foi excelente. Nem prestei atenção ao tempo que fiquei preso no trânsito. O objetivo era estar ali, e eu estava. A intenção era curtir a viagem, e eu curti. A finalidade não era escrever nada, mas escrevi. O pensamento me dizia para não confiar, mas o coração confiou. Isso é ser brasileiro e é isso que temos de mostrar ao mundo - e deixar claro aos que vierem que, assim como eu, todos podem voltar mais felizes que quando foram.
 

* DaMatta, Roberto – O que faz o brasil, Brasil?

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