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Por viagens mais significativas.

Uma coisa muito me incomoda. Quando viajo, vejo massas e massas de turistas se amontoando em famosas atrações para registrar, nas fotos, aquele momento. São milhares de pessoas fazendo fila em pontos turísticos construídos há séculos, sem se dar conta de que o entorno também faz parte da visita - o importante é passar pela catraca, pelos seguranças e entrar a passos lentos no local (para tirar ainda mais fotos). Observo esse enorme contingente de visitantes descabelados e esmagados tentando ouvir a explicação de um guia, que, por melhor que seja sua interpretação, é seguramente diferente da individualidade do entendimento. Isso realmente é praticar turismo?

Para me ajudar aproveitei o magnífico texto de Hakim Bey (pseudônimo de Peter Lamborn Wilson, historiador, escritor e poeta, pesquisador do Sufismo bem como da organização social dos Piratas do século XVII, teórico libertário cujos escritos causaram grande impacto no movimento anarquista das últimas décadas do século XX e início do século XXI).

Antes de ler o texto é preciso considerar que Bey se refere ao movimento de pessoas aos lugares turísticos, que, por definição, chamam-se turistas, mas que, entretanto, o fazem com total superficialidade e sem, de fato, absorver ou aprender algo. Viajam por viajar. Viajam para consumir o diferente. Viajam, apenas, para consumir.

O texto é belíssimo e reflete a realidade contemporânea de um turismo corrosivo, ou seja, aquele que permite ao turista levar um pouco sem trazer de volta. É um caminho sem volta. É a falta de sustentabilidade cultural. É a perda da essência do lugar de tantas idas e vindas de milhares de pessoas que mal sabem onde estão - e porque estão ali. Ressalto que o autor fala muito sobre religião (Islã) e faz uso de muitas analogias para nos fazer compreender a problemática, sem embargo, o que devemos nos atentar é na mensagem transmitida por meio desses valores.

Nós, turistas abrasivos, chegamos ao destino mas não estamos presentes de verdade; somente movimentamo-nos por um cenário imaginário, mental, de pura abstração. O que angariamos são imagens e muambas, mais que experiências. Quando compramos o turismo, o que compramos de fato? Representações iconográficas ou sensações? Porque não abandonar temporariamente a câmera e observar com os próprios olhos, cada turista com seu olhar, como dizia Urry, deixando a inspiração e a emoção do destino nos entranhar?
O que temos, em minha visão, é medo de regressar da viagem sem ter algo para comprovar aos outros que realmente fomos até o outro lado do mundo – ou da rua. É a viagem (no sentido alucinógeno) do status. O que queremos é que os outros vejam nossa bela coleção de elementos materiais, já que o imaterial não é tão naturalmente exposto. Mas os outros são os outros.

Deixo claro que essa não é uma crítica à fotografia muito menos à compra de suvenires, longe disso. Tangibilizar o intangível é tarefa de quem trabalha na indústria da felicidade e faz parte integrante da cadeia produtiva do turismo. Eu mesmo, quando na posição de turista, faço questão de acumular lembranças físicas dos passeios (o que me faz gastar fortunas com o excesso de bagagem, aliás).

Esses elementos palpáveis são elos que nos remetem com mais intensidade àqueles grandes momentos vividos. Até aí, tudo bem. Mas nós vivemos ‘aqueles momentos’? Essa é a chave da questão. O artesanato, quando autêntico, cristaliza a cultura local – e é maravilhoso. Uma foto, quando representa a conquista de ‘estar ali’, é mais que legítima e tem simbiose perfeita com o ato de viajar. Comprar uma arte que representa o cerne cultural de um grupo étnico com o qual você pôde almoçar e ouvir histórias é perfeitamente genuíno; já comprar às pressas um mimo no duty free é algo demasiado globalizado para conectar-nos verdadeiramente à experiência – se é que a vivemos.

É claro que a heterogeneidade das motivações é uma característica específica da atividade turística, mas estamos praticando-a em sua plenitude? Independente do motivo pelo qual decidimos deixar nosso lar sagrado e buscarmos as diferenças para consumi-las, temos que estar holisticamente presentes, ou seja, estar corporal, mental e espiritualmente ali, abertos às novas sensações. Não devemos banalizar o mundo, singularizar os ritos e muito menos ser indiferentes e aceitantes de tudo.

O turismo deve ser vivido como uma experiência transformadora, aproveitada com a ajuda dos cheiros, dos gostos, das novas paisagens, dos contatos, das pessoas, das cores, dos diálogos. Precisamos vivê-lo com os cinco – e há quem diga que com os seis ou sete – sentidos. Há que se libertar e livrar-se dos atos mediados. A aventura perfeitamente segura e controlada é interessante até certo ponto. Precisamos é deixar que a viagem toque nossas vidas.

O turismo já está dissolvido nas atividades tradicionais humanas e presente em nossas necessidades essenciais. Aproveitemo-nos dele como instrumento de crescimento, de libertação, de mutação. Façamos dele um meio de aprender, um caminho para as experiências que nos elevam.

Este assunto, obviamente, não é somente um incômodo meu. O grande Professor Trigo dissertou, em seu artigo “Toda viagem é mesmo um “experiência”?, as mesmas inquietudes – no qual é ainda mais contundente quando nos comenta que “há experiências medíocres, ordinárias e banais. Há serviços que são prestados com absoluta frigidez, de forma mecânica e sem nenhum impacto sobre nossas vidas”. E é claro que o Professor está mais que correto.

Em meio aos seus conceitos revela que muito dessa tal ‘experiência da viagem’ está vinculada ao luxo e ao poder econômico, uma vez que as ofertas não-banais (ou menos mediocrizadas) custam caro porque demandam exclusividade. É fato: a indústria turística já deixa de oferecer insossas idas e vindas para oferecer o extraordinário, o inesperado; aquilo que causa afeto e admiração.

Mesmo concordando em absoluto com as palavras de Trigo, podemos refletir acerca de outro questionamento: será que as experiências turísticas significativas, que nos fazem evoluir, sempre são onerosas e privativas? Eu digo que, de determinada perspectiva, não. Mesmo participando de uma viagem singela e, digamos, mais massiva, o que pode estar faltando é educação. Educação turística, aquela que ensina o turista a ser turista. Aquela que explica a ele o que pode, deve e merece ser feito e vivido. Nós, profissionais do Turismo, temos essa obrigação. Precisamos ensinar as pessoas a serem turistas e se comportarem como tal, e o autoconhecimento pode ser o segredo. Quando eu sei por que viajo e o que estou buscando, vivo intensamente as minhas experiências. Eu vivo as minhas emoções. Eu vivo o meu Turismo.

Que tal largarmos um pouco as máquinas fotográficas, a trivialidade, o Hedonismo e a necessidade de aprovação e comprovação e deixarmos ser levados pelos sentidos? Viajemos sem atropelos e com menos afobação. Pensemos sobre a possibilidade de praticar o slow tourism, saboreando as novidades. E a nós, turistas não-acidentais, meus sinceros votos de que quando voltarmos estejamos melhores que quando fomos.

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