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Augusto de dia, Augusta de noite.

Eu devo minhas felicitações a São Paulo. Não é sempre que algo (ou deveria dizer alguém, no caso desta cidade?) completa 457 anos – muito bem vividos, aliás. Fico imaginando quantos são os causos sucedidos nesse período nesta terra de gente que busca crescimento. Ter estado aqui nesse dia especial e haver participado das comemorações foi algo fantástico. Parabéns, sua desvairada!
Sobre este ensaio, a ideia veio enquanto eu caminhava pela minha vizinha Rua Augusta, na qual, no dia 25 de Janeiro, tinha desfilando em seu asfalto uma pequena (e bacaníssima) tropa de seis cavalos coloridamente ornamentados para as festividades da data. Acompanhado pelo ritmo dos trotes e das buzinas, me veio à cabeça: “Que bizarra é essa mistura do tipicamente rural com o absurdamente urbano! Cavalos em plena Rua Augusta!”.

- “As coisas de noite, por aqui, são bem diferentes disso!” – emendei comigo mesmo.

Somando o fato de a Rua Augusta ser patrimônio histórico-cultural da cidade e ser peça integrante dos muitos anos desta urbe mais o contraste maluco daquilo que podemos ver em seus caminhos de dia e de noite, surgiu o pensamento do texto: à luz do sol, o que percebemos é o tradicional, o não-muito-diferente do contexto do concreto – logradouros de famílias, regiões comerciais e o destino do pessoal engravatado; já à sombra da lua, vemos que é a zona de reunião de várias tribos com muita ou pouca roupa, de muita festa e de intensa alternatividade.

Para que entendamos nosso cenário, a Rua Augusta data de 1875 e chamava-se, em tal época, Maria Augusta. Sua extensão vai desde a Rua Colômbia à Roosevelt, unindo o Centro aos Jardins. Sua glória chegou nos 50’s e 60’s e representava glamour com sinônimo de diversão – e, em conjunto às lojas sofisticadas e grandes butiques, simbolizava requinte. Sabendo disso, imagino eu uma cena típica dos filmes dessa ocasião: os jovens, brilhantinados como deveriam ser, iam para a Augusta com seus carros envenenados prepararem-se para os embalos de sábado à noite.

Seguindo na régua do tempo, a decadência começou a partir dos anos 70 quando os shoppings tomaram conta do trajeto e o trânsito (ah, o trânsito da Paulicéia) já começava a emperrar. Além disso, o meretrício era uma atividade que começava a dar seus sinais – e que permanece até hoje. Como curiosidade, o nome ‘Augusta’ vem de um motivo mais associado à realeza portuguesa que a uma homenagem para alguém em específico, entretanto, em caso de considerarmos o valor artístico que nossa Rua tem, podemos concedê-la o título de Primeira Imperatriz Paulistana.

É bom saber também que nossa artéria-artística, como diria San Picciarelli, divide-se, imaginaria e socialmente, em Alto e Baixo Augusta. A região alta (sentido Avenida Paulista – Jardins) é frequentada pelos menos alternativos e por aqueles que buscam elementos um pouco mais refinados. A região baixa (sentido Avenida Paulista – Centro) é movimentada por jovens universitários, moderninhos e neo-hippies. À parte de sua biografia, o fato é que posso concluir, depois de um ano vivendo a poucos metros dela, que a dualística dos sentimentos é óbvia: para com a Senhora Rua Augusta não há meios termos - ou você a ama ou a odeia!

É bom saber também que nossa artéria-artística, como diria San Picciarelli, divide-se, imaginaria e socialmente, em Alto e Baixo Augusta. A região alta (sentido Avenida Paulista – Jardins) é freqüentada pelos menos alternativos e por aqueles que buscam elementos um pouco mais refinados. A região baixa (sentido Avenida Paulista – Centro) é movimentada por jovens universitários, moderninhos e neo-hippies. À parte de sua biografia, o fato é que posso concluir, depois de um ano vivendo a poucos metros dela, que a dualística dos sentimentos é óbvia: para com a Senhora Rua Augusta não há meios termos - ou você a ama ou a odeia!

Sobre o título deste texto, esclareço que tal não faz alusão alguma à sexualidade – talvez à sensualidade, se entendida como a consciência do sentir. Sentir, neste caso nosso, a Rua Augusta como o retrato fiel da diversidade, energia e vida dos paulistanos. O fato de trocar o ‘o’ pelo ‘a’ indica transformação, mutação, movimento, em nada permanentes. Refere-se ao intercalar temporário de papéis que todos vivemos na vida diurna e noturna e das maquiagens que usamos para que nos encaixemos em cada um dos períodos do dia. Retrata as máscaras sociais já exaustivamente conhecidas e reflete sobre o teatro da vida e todos os seus atos encenados – seja em nosso cotidiano ordinário ou em nossas viagens extraordinárias.

Nesse pensamento, assim como nós, o Turismo apresenta rostos muito distintos de dia e de noite. Na realidade, o Turismo praticado de dia é completamente diferente do praticado à noite!
Os raios solares evidenciam algumas belezas e dão vivacidade aos passeios ao mesmo tempo em que encobrem a identidade mais natural das pessoas e dos lugares. Já o refletir da lua dá mais charme e bucolismo aos ambientes, mas também iluminam os rostos e libertam as narrativas. O dia em si mesmo é mais ativo, mais disposto e mais contido; a noite se apresenta mais extravagante, mais curiosa e mais labiríntica.

O Turismo de noite é romântico; o praticado de dia é realista. O importante? Saber que isso depende da intenção do turista. O percurso é o mesmo, mas aquilo que não é interessante diurnamente pode sê-lo no noturno. Tenhamos claro que a noite não necessariamente tem a ver com excessos e descomedimentos, mas com o aflorar da percepção do turista em relação aos escondidos, aos ambientes mais genuínos e mais crus, por assim dizer. O dia mostra, sim, ao visitante os aspectos convencionados, internacionalizados e propagandeados dos destinos, mas são tão fundamentais para a experiência como o outro lado, quando a noite cai.
Por experiência própria, isso acontece em quase todos os lugares. A Roma do dia é bíblica; a da noite é pão e circo. O Rio de Janeiro do dia é sol e praia; o da noite é boêmio. A Londres do dia é quase sempre fria; a da noite, definitivamente quente. Tel-Aviv do dia é lamentação, a da noite diversão. Dubai do dia é muçulmana, a da noite é indiferente ao credo. A Rua Augusta do dia é terno, e a da noite é tenra. É mais ou menos por aí...

Então, percorrendo os caminhos da Rua, durante o dia, o que percebemos é que, ainda que o negócio seja a negação do ócio, parece que ali a mistura é possível e bem-vinda – enquanto, na mão de quem vai pra Paulista, muitos se apressam com suas pastas executivas, na contra, outros desfrutam das tardes paulistanas sentados nos vários bares, botecos e botequins, legando à trajetória uma atmosfera até que comum, porém única.

É uma combinação de edificações da modernidade com casebres de séculos anteriores, de brechós e sebos que refletem o passado com lojas de trajes que indicam tendências futuras, de roupas raras às Galerias de Ouro, do culto religioso ao culto ao corpo, de bancos de comércio oficial às bancas de transações não tão oficiais assim, de bazares de artesanato sustentável a produtos para ‘amarrar seu amor em sete dias’, de restaurantes de qualidade duvidosa à fast foods multinacionais e de estabelecimentos que vendem desde parafusos a milho cozido. Nossa! Como o ‘tem de tudo’ se aplica perfeitamente lá!

Já pela noite as coisas se acendem. Tenho a sensação de que na Augusta da noite nem todos os gatos são pardos. Não há acanhamento em expor a personalidade cult ou de interpretar, cada um a sua maneira, a arte em grafite estampada em muitos de seus muros. As intervenções cool são muitas. O espaço de convivência pacífica entre os trabalhadores do dia e os da noite revela que o importante é ser augusticamente correto. Todos ali entraram na Rua a 120 por hora* e seguirão assim, entorpecendo-se das novidades ou sabe-se lá mais de quê. Noturnamente, os Augustos e Augustas da vida circulam tranquilamente, reafirmando suas identidades e mostrando a que vieram.

Tudo é tão possível na Augusta que, antes de terminar este texto, ao buscar leituras de referência na internet cheguei a uma entrevista de Evandro Santo, humorista consagrado por seu personagem Christian Pior. Evandro mora na Augusta e, por conta disso, acabamos frequentando lugares em comum. Encontrei-o um dia e, para arrematar meus entendimentos sobre o que, de fato, significa a Augusta, perguntei a ele sobre o porquê decidiu morar na Rua. Nas palavras dele: “Aqui é um lugar lendário, mais permissivo. Eu curto esse pedaço!”. E é isso mesmo. Para fugir dos convencionalismos e sair da cartilha que muitos seguem quando escolhem suas moradas, o ator escolheu esse logradouro por poder exercer sua personalidade artística – totalmente benquista e celebrada por aqui.
Por fim, é obvio que entendemos a grande variação entre o dia e a noite – o que nos passa despercebido é a alteração de nosso comportamento de acordo com a presença ou ausência de luz solar. Porque não aproveitar essa transformação como atrativo para uma experiência turística?

Transformemos o negócio solar e o ócio lunar (ou vice-versa) em um momento de encantamento ao turista, de descobertas e de aprendizagens sobre a realidade local. É claro que não nos é permitido flanar à noite em todos os lugares, já que a sensação de segurança é fundamental para o Turismo, entretanto, podemos nos arriscar de vez em quando e sair a ver as pessoas interagindo mais à vontade e consumindo as cidades.

Quem nunca se inspirou com o pôr do sol? Quem nunca viu a noite virar dia? Quem nunca saiu de casa de dia sendo um e voltou de noite sendo outro? Parabéns a São Paulo, parabéns à Augusta e parabéns àqueles que querem descobrir e se descobrir pelo mundo, enxergando seus 'os' no sol ou seus 'as' na lua.

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