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Pra quê serve o Turismo?

Esses dias recebi um e-mail do grande Professor Guilherme Lohmann, com um arquivo anexado: a palestra do Professor John Tribe (durante a conferência do CAUTHE). Li os slides e fiquei pensativo: alguns dos problemas enfrentados no Reino Unido (o distanciamento da Academia do mercado, por exemplo) são os mesmos enfrentados no Brasil – em escalas diferentes, mas igualmente prejudiciais.

Esse e-mail foi recebido por meio da Lista de Discussões da ANPTUR, da qual eu e muitos outros professores fazemos parte – sendo Lohmann um dos fundadores. Tal lista foi desenvolvida pensando na facilidade da comunicação para aproximar os acadêmicos do Turismo, na tentativa de organizar os pensamentos e ajustar os objetivos.

Nessa mesma intenção, a de alinhar os nossos conhecimentos, a partir dos dados apresentados por Tribe começou-se uma discussão acerca da evasão discente dos Cursos de Turismo, de suas grades curriculares, dos propósitos econômicos e sociais da atividade, sobre os objetivos últimos do Turismo e sobre a qualidade de nosso ensino. Muitas dificuldades foram levantadas, e, especialmente, a carência de “saber como é a compreensão do significado do turismo para a vida das pessoas” (Profª Drª Angela Cabral Flecha).

De tão interessantes, separei alguns pensamentos que recebi na discussão: “O que eu observo é uma eterna resistência da Academia em ‘conversar’ com o mercado, provocando um grande gap entre ensino e aplicação do conhecimento”. “Uma boa parte dos alunos que não sabe sequer o que significa Turismo. Na verdade, observo que até boa parte dos professores também não sabe direito o que é a nossa área e pra que serve” (Profª Drª Angela Cabral Flecha).

Particularmente, concordo em integral com a Profª Angela. O quão importante são as viagens, o Turismo e o lazer na vida dos homens? Encaramos (Acadêmicos, profissionais, alunos e a sociedade) a atividade com o devido valor?

Assim, proposto pela própria Profª Angela, chegamos ao maravilhoso tema: “Para quê serve o Turismo?”.

‘Nossa, agora é minha hora!’ – pensei eu. Sempre tive indícios de que podia colaborar com essa resposta. Tinha de mandar um e-mail para a Lista com minhas ideias sobre o Turismo. Com certo medo de sofrer represálias, tomei coragem e enviei minha mensagem aos colegas:

“Muito interessante esta discussão. Se pudermos levar em conta, sob todas e quaisquer óticas, que o turismo, o lazer e as viagens podem ‘ser’ antes de ‘ter’, tudo muda. É, fatidicamente, uma visão romantizada, mas venho observando o comportamento de alunos e profissionais aqui em São Paulo e vejo surgir uma demanda que anseia por elementos humanizadores.

Como disse Ângela em linhas anteriores, todos são, antes de tudo, gentes - e estão cada vez mais perdidas. “O ‘ter’ vazio e a possibilidade do ‘ser’ que dá mais sentido ao cotidiano medíocre pode ser nosso grande recurso para o fortalecimento do turismo enquanto atividade econômica e sociocultural - no mercado e na Academia”.

Pronto. Tinha enviado aos melhores e mais bem conceituados Professores de meu campo de estudos minhas humildes opiniões. Driblando a ansiedade, agora eu só podia esperar...

Até que me chegou uma resposta. Para minha felicidade, as contestações foram positivas. ‘Ainda há gente que pensa como eu’, – me surpreendi. Replicando, muito amigavelmente Profª Angela me perguntou: “Bruno, traduza para mim o que você chama de ‘elementos humanizadores”. Bom, lá ia eu me arriscar de novo.

“Oi Ângela,

Na realidade nem eu mesmo sei o que consideraria, exatamente, os ‘elementos humanizadores’, mas se pudesse poetizá-los seria algo como ‘encontrar um pouco de cor em meio à massa cinza de concreto’.

Digo por experiência própria. Em São Paulo uso muito o metrô para trabalhar (trânsito impossível e blá blá blá). Lá, percebo a falta de sentido que as ‘gentes’ vivem suas vidas. É visível a canseira, a estafa, a falta de perspectiva e os olhos vermelhos do cansaço. Parece-me que foram vomitadas na vida, apenas seguindo o fluxo das coisas e estão sobrevivendo, não mais vivendo. Elas são o arquétipo clássico do turista que usa o lazer, as viagens e o turismo como escape e fuga do cotidiano medíocre. É o analgésico, como diria Krippendorf.
Mas não seríamos nós, os que decidem estudar e se dedicar ao turismo, os representantes do bem-estar? Não é esse o luxo da modernidade? Será que estamos realmente conscientes de que a atividade (à parte da discussão do diálogo equilibrado entre visitantes e visitados) pode, sim, dar a tão aclamada chance ao autoconhecimento? Ao desabrochar pessoal?

Vivemos na Era do turismo de sensações, emoções, aprendizagens, valores e sentimentos. O que meu turista quer sentir? O que ele poderia trazer de extra ao seu cotidiano ordinário? Não é justo que ele traga um pouco de humano dos destinos plásticos?

Tenho a impressão de que as dores, quando analisadas de um só ângulo, doem mais e que as dificuldades são ainda mais difíceis. “Talvez porque a infelicidade derive de só se ter uma única perspectiva com a qual trabalhar”. Diz-se que um dos benefícios do turismo é a abertura ao novo, o enxergar de novos horizontes. E não é mesmo?

Nossos alunos sabem que o turismo permite essas oportunidades? Nós sabemos como incitar o pensamento crítico-reflexivo levando em conta a mobilidade humana? Se há culpados, acho que também somos. Ajudamos a indústria a ofertar serviços que acedem a essas virtudes? Tratamos de falar sobre viagens nas quais o turista pode ‘sentipensar’ algo?

É romântico, eu sei, mas a necessidade da formação integral é eminente. As ‘gentes’ precisam se encontrar nas viagens, encontrar um pouco de si para imperar o bem-estar – aqui e lá.

Sobre o foco? Acho que seria na felicidade dos homens”.

Assim que enviei esse texto, ajuizei-me: ‘Nossa, acho que agora exagerei’. Resultado? Uma tréplica ainda melhor: “Deveria ser este o tipo de turismo que deveríamos buscar (Profª Angela)” e “Seu texto traduz muito. Falas de encontro – o foco que deveríamos assumir indubitavelmente” (Profª Ana Flávia Figueiredo).

Que maravilha! Eu não sou o único a ainda acreditar no Turismo, nas viagens e no lazer como ponto de partida para uma vida melhor. Aproveito para deixar claro que não estou excluindo o Capitalismo muito menos o prisma que visualiza o Turismo enquanto atividade econômica: apenas acho que a mudança deveria começar no homem, e não na indústria.

O Turismo enquanto economia é fundamental e absolutamente consolidado mundialmente. O grande desafio do hoje é conscientizar discentes e docentes de que o Turismo serve para auxiliar as pessoas a se encontrarem e quiçá pode possibilitar a descoberta de talentos anestesiados pelo corre-corre; e essa nova demanda criaria uma dinâmica própria. De fato, se pudermos aplicar um sentido de uso ao Turismo as coisas fiquem mais claras.

Em outras palavras, tão logo as pessoas descubram os benefícios individuais e coletivos que o Turismo, o lazer e as viagens podem trazer à tona (se praticados de forma sustentável em todas as suas esferas e tratados como uma experiência) a indústria se encarregará de planejar conforme a necessidade moderna do ‘encontro’.

Os Cursos de Turismo necessitam de uma visão sistêmica acerca de suas capacitações, dividindo, por exemplo, suas atenções entre as facetas sociais e capitalistas, por assim dizer. Por um lado precisamos de profissionais que saibam fazer a máquina econômica rodar, por outro, é latente o desejo de Turismólogos que compreendam as necessidades sociais do homem pós-moderno.

É claro que todos visamos o lucro (e continuaremos visando-o); entretanto, talvez o que tenha mudado seja sua forma de apresentação – o lucro monetário e o lucro social. Quanto vale meu bem-estar? Quanto custa minha felicidade? Não podemos tentar fundir uma coisa à outra? Não nos é permitido planejar pacotes, destinos, itinerários, viagens ou seja lá o que for levando em conta a constituição de um homem melhor e mais consciente de si e dos outros? Pode ser utópico e demasiado ufanista, mas é, arrisco-me em dizer, a tendência do agora.

“Não mais o homem-férias, mas o homem enquanto entidade absoluta. Um ser humano que se encontrou e tomou consciência de sua mobilidade e das razões que o levam a viajar” (KRIPPENDORF, 2009, p. 205). Estou muito longe de considerar o Turismo como ‘cura para todos os males’ ou algo do gênero, mas posso vê-lo como algo entre o analgésico e a cura – uma alternativa holística.

É preciso dizimar, como diz Lohmann citando Tribe, o “complexo de inferioridade” que o turismo sofre com relação ao restante da Academia em várias partes do mundo. Até quando seremos tratados como um fenômeno status quo ou receita quo? “O que precisaremos é de conteúdos sólidos, cultura geral e professores sem preconceitos ou dogmas arcaicos (Professor Luiz Trigo)”.

“Mas acredito que somente com uma reflexão conjunta entre docentes, discentes e mercado conseguiremos encontrar um norte rumo a cura deste problema” (Prof. Douglas Silveira de Assis).

O que estamos esperando?

* Um agradecimento especial às Professoras pelas belas palavras sobre meu discurso.

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